Sabemos que a cirurgia bariátrica surgiu devido ao grande número de grandes obesos que desenvolviam, na sua maioria, problemas clínicos de alto custo à saúde pública.
Porém, da cirurgia metabólica à solução mágica, existe um abismo entre a realidade e o que de fato poderá ocorrer.
Durante meus atendimentos clínicos, como psiquiatra de uma equipe de cirurgia bariátrica, pude observar que a grande maioria das pessoas candidatas e que já haviam se submetido a cirurgia, carregavam e carregam a crença de que nunca mais serão obesos.
As pessoas que desejam mudar seu corpo por complicações clínicas, apresentam o desejo de serem aceitas. Sim, aceitas. A maioria das mulheres não gosta de si. Elas recebem da família e da sociedade a confirmação de que uma pessoa gorda não pode ser amada, nem mesmo por ela mesma. Falo em amor próprio, autoestima, exclusão social e estigma. Vejo que a possibilidade cirúrgica desperta em algumas pessoas esse amor que voltará a ser cultivado após a cirurgia. A possibilidade cirúrgica muda os humores, as motivações e até a ideia de si. A história anterior à cirurgia é repleta de perdas, várias tentativas de dietas, remédios, spas, sem sucesso – sempre a procura de uma solução mágica, literalmente! É uma história muito dolorosa, marcada pela impotência.
Apesar de vários fatores genéticos e ambientais contribuírem para a obesidade, a falta de amor parece tão óbvia, no entanto, tão indiscutível! Questionar padrões sociais e se amar podem estar juntos nesse processo, que começa por um desejo de transformação mágica, mas que segue, muitas vezes, pelo caminho do questionamento e do investimento realista em si mesmo.
Se quando eu, médico, percebo que junto com a prescrição vai uma série de expectativas e palavras "mágicas" , por exemplo, "vc vai ficar melhor". Posso, então, pensar na cirurgia não como solução mágica por si só, e sim como uma ponte/portal/passagem para a reflexão sobre alguns aspectos do processo de cuidar de si. Principalmente, a possibilidade de voltar a se amar.
Por: Ligia Florio