Quando surgiram as notícias sobre a internação de Andressa Urach na UTI, em função de complicações após um procedimento que procurava reverter uma intervenção estética que estava gerando problemas de saúde, minha primeira reação foi de apenas lamentar a mais recente vítima célebre da indústria da beleza fabricada. Isso até me deparar com a chamada reproduzida acima, na página do Yahoo Brasil, no dia 02/12/2014.
A manchete me incomodou muito: como é possível reduzir uma pessoa a “só uma sequela da sociedade obcecada pelo corpo” e à “Valorização da juventude e da bunda”? E lendo outras notícias sobre o caso, o incômodo foi crescendo.
Nos depoimentos de outros famosos sobre o caso, publicados no mesmo portal no dia 03/12, vemos frases como “Batalhadora, Andressa nunca escondeu de ninguém que fez várias intervenções plásticas, claro, visando ficar com um corpo escultural. Andressa já admitiu que errou” (Thiago Rocha, colega de Andressa no programa MuitoShow), “Ela é uma pessoa do bem, com um coração muito bonito. Nunca fez mal a ninguém. Ela só é extremamente vaidosa o que a fez cometer exageros” (Cacau Colucci, ex-BBB), “Estou muito chateada e com pena, mas ela exagerou muito nos produtos” (Angela Bismarchi, fez cerca de 45 procedimentos estéticos), “é uma tragédia que isso tenha acontecido com ela, mas não é hora de julgar” (Renata Frisson, a Mulher Melão), e finalmente, “Eu e a Andressa íamos ao médico, para a mesa de cirurgia, como se fosse shopping. Combinávamos às vezes de fazer algum procedimento juntas, na mesma data, não tínhamos medo. Éramos escravas da beleza” (Jéssica Lopes, a “Peladona de Congonhas”).
Como bem observou Renata Frisson, julgar é a questão posta em jogo pelas notícias. A necessidade de pontuar o exagero ou a vaidade de Andressa, ao mesmo tempo em que enfatizam características moralmente louváveis, como ser batalhadora, do bem e ter um coração muito bonito, mostram que diante da tragédia, quem está sendo julgada é a própria Andressa e sua moralidade.
O fenômeno brasileiro da “valorização da juventude e da bunda”, como nomeou o portal, produz constantemente personagens femininas como as mulheres fruta, marias-chuteiras e periguetes, musas do brasileirão, misses bumbum, BBBs e peoas, definidas e julgadas por seus corpos, milimetricamente policiados não só em termos estéticos, mas também em sua sexualidade. Produzimos um imenso mercado para consumimos os corpos, mas também as fofocas e histórias amorosas e sexuais dessas mulheres. Mas, sobretudo, nos deleitamos em julgá-las.
Adoramos julgá-las se engordam, emagrecem, fazem plástica, mostram celulite ou flacidez, se aparecem nuas, se seus decotes ou saias mostram demais, se iniciam ou terminam affairs, se envelhecem, se engravidam, se voltam à boa forma após engravidar e se não voltam. Talvez porque isso nos alivie do nosso próprio auto julgamento cotidiano e minucioso. Talvez porque reduzindo essas mulheres a produtos, nos sintamos um pouco mais sujeitos e menos objetos.
É bastante fácil condenar Andressa Urach por seus supostos exageros, ela que se tornou celebridade por ter passado uma noite com o jogador de futebol português Cristiano Ronaldo e por ser vice miss bumbum 2012, e decidiu fazer um procedimento estético desenvolvido na Ucrânia, não recomendável pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Sobretudo porque isso nos dá a ilusão de segurança de que as coisas só são perigosas para mulheres moralmente questionáveis, que fazem do corpo e da sexualidade sua profissão.
Mais fácil ainda é esquecer que apesar do abismo moral que escavamos entre Andressa Urach e Gisele Bundchen, ou entre as “mulheres bunda” e nós mesmos, estamos todos enredados no mesmo mercado de produção e consumo de corpos fabricados.
Por: Daniela Araujo